Sentimentos de posse e apego
Jean Piaget, psicólogo considerado criador da psicologia do desenvolvimento, foi um dos primeiros estudiosos a observar que os sentimentos de posse emergem relativamente cedo em nós, e começou a se perguntar porque somos apegados às nossas coisas materiais e às pessoas.
Uma das explicações para nosso apego é dada por uma teoria chamada “efeito da dotação”. Ela diz que valorizamos mais um objeto a partir do momento em que o possuímos.
Em parte isso ocorre devido à velocidade com que associamos nossa noção de “eu” às coisas/pessoas que consideramos nossas.
Esse apego pode ser visto em níveis neurais
Em uma pesquisa cientistas mapearam o cérebro de pessoas enquanto separavam itens em cestos rotulados “meu” e “Alex”.
Quando os participantes da pesquisa olhavam para o cesto rotulado “meu”, o cérebro tinha mais atividade em uma região que geralmente é ativada quando pensamos sobre nós mesmos.
Outra razão para sermos tão apegados é que desde crianças somos levados a acreditar que nossas possessões têm características únicas.
À medida que nos tornamos mais velhos esse modo de funcionamento se torna mais elaborado.
Como, por exemplo, valorizar em proporções absurdas itens usados por celebridades, como se esses objetos, de alguma forma, estivessem imbuídos da essência da pessoa.
Por razões similares muitas pessoas têm dificuldade em se desfazer dos objetos de pessoas que já se foram, para tentar se manter conectadas a elas.
Aquilo em que acreditamos pode alterar nossas percepções de mundo e, até mudar nossas habilidades atléticas.
Pesquisas demonstraram que participantes de um jogo de golfe que acreditavam usar o mesmo taco que o campeão mundial percebiam o diâmetro do buraco aumentado em torno de um centímetro, em comparação com outro grupo de controle.
E o primeiro grupo teve maior número de acertos que o segundo.
Embora nossos sentimentos de posse apareçam nos primórdios de nossas vidas, a cultura desempenha papel fundamental no desenvolvimento deste sentimento.
Ele pode ser levado ao extremo, sendo considerado um distúrbio emocional.
A pessoa se sente responsável e protecionista em relação aos objetos de sua vida, guardando e cuidando inclusive itens danificados.
Contudo, temos também o exemplo oposto.
Algumas tribos afastadas de nossa cultura não apresentam o “efeito de dotação”, pois vivem em sociedades igualitárias, em que quase tudo é compartilhado.
Também em alguns lugares do oriente, onde a prática da compaixão é incentivada pela cultura, o “efeito da dotação” é menos comum.
Talvez o sentimento de posse tenha sido importante para nossa sobrevivência em um passado longínquo, em que nossa comida era escassa e tínhamos poucos recursos para caça.
Porém, com o desenvolvimento das tecnologias, passamos a viver em tempos de abundância (tanto que a obesidade é considerada pela OMS uma das maiores epidemias mundiais).
Também nossos paradigmas precisam mudar.
Alguns movimentos já propõem mudanças por meio das práticas de meditação, trabalhando o desenvolvimento de cada um de nós enquanto seres humanos, para que possamos compreender que eu e outro somos um.
Nesse sentido, a digitalização e globalização de nosso mundo nos ajuda a compreender que os objetos físicos que existem à nossa volta podem ser abstraídos e valorizados por aquilo que contém.
Talvez tenhamos chegado a um tempo em que realmente um livro valha mais por seu conteúdo que por sua capa, uma pessoa é importante por simplesmente existir e não por aquilo que possui.
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