Quem nunca esperou viver o “felizes para sempre”?
A pergunta do título foi feita em uma palestra ministrada pelo Rinpoche Dzongsar Khyentse. Fiquei a pensar em suas palavras, e, realmente, quem nunca? Criados em uma cultura que nos ensina que príncipes (ou princesas) encantados salvarão nossas vidas, mudarão nossas condições, vivemos na expectativa da perfeição. A pessoa perfeita, o relacionamento perfeito, o gestor e o trabalho perfeitos. Vivemos lançados no futuro.
Ao mesmo tempo em que criamos um mundo de fantasias de como as coisas deveriam ser, vamos levando a correria, lidando com a realidade. Afinal, a Cinderela trabalha para sua madrasta enquanto seu príncipe não a resgata. Deslumbrados por dramas de amor hollywoodianos, nos esquecemos de que aquilo que mais nos atrai nessas histórias são os dramas.
A maioria de nós, por correrias, estresse, afazeres ou outras coisas, se perde em expectativas ao invés de analisar as situações reais. Estamos inseridos no mundo, estamos sujeitos às situações da vida e nos esquecemos disso.
Quando somos surpreendidos pelo inesperado, nos assustamos. Sentimo-nos decepcionados e frustrados com o outro, por não cumprir nossas expectativas. Desconsideramos a outra pessoa em sua realidade. Queremos os contos de fadas, e esquecemos que toda relação que funciona tem que não funcionar concomitantemente. Nossos humores e emoções mudam o tempo todo e por inúmeras razões. Entretanto, no mundo das fantasias esperamos que a outra pessoa seja sempre a mesma.
Em tempos de redes sociais e novas tecnologias, levamos a vida atualizando novos pensamentos, tudo muito rápido e passageiro. Alimentamos a ilusão do “sempre bem e sempre feliz”, nos alienamos. Porém, na vida real, não somos bonitos e legais o tempo todo, ninguém acorda de maquiagem e montada no salto alto. Podemos viver uma intolerância ao real, aos aprofundamentos e à convivência com os antagonismos do outro, com as partes boas e com as ruins.
Na ilusão do encantamento abre-se espaço para relacionamentos medrosos. Tentamos controlar as circunstâncias e o outro por insegurança, pela necessidade do ‘felizes para sempre’. Entretanto, somos todos príncipes e princesas de reinos falidos e inexistentes. Na vida e nos relacionamentos somos expostos ao inesperado. Procuramos fórmulas para nos ajudar objetivamente, justamente para fazermos o contrário, pois somos seres emocionais. A vida, em geral, nunca funciona. Nossas estratégias sempre falham em alguma medida.
Não devemos ter medo dos relacionamentos. Talvez não seja uma má ideia deixar a vida fluir, sair do controle ilusório e assumir nossas fragilidades, cientes de que toda pessoa tem liberdade de escolha, pode estar ou não ao nosso lado. Assim, o ‘felizes para sempre’ pode deixar de ser uma demanda de uma pessoa, para ser uma possibilidade de escolha de duas pessoas. Livremente, sem expectativas ou esperanças, vivem a beleza e o prazer da temporariedade, em que os relacionamentos possam ser eternos enquanto durem.
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