Oliver Sacks, a felicidade e o engajamento
Oliver Sacks, neurologista conhecido e admirado também por sua competência como neurocientista, mas muito mais por sua humanidade.
Ao ler seus livros pela primeira vez, lembro-me de me sentir extremamente comovida por suas narrativas, e assim comecei a acompanhar seus artigos.
Alguns dias antes de seu falecimento li seu artigo sobre o Sabbath. Nele Oliver Sacks falava sobre as tradições nas quais havia sido criado, seu afastamento dessas tradições e o retorno a elas já no fim de sua vida.
Neste delicado e profundo artigo, ele revisita sua vida, suas tradições, rompimentos e a construção de sua identidade, de seus valores, revisitando, inclusive, momentos obscuros de sua existência como a experiência da segunda guerra, a dificuldade de assumir sua sexualidade e seu quase suicídio pelo uso de anfetaminas.
Relata também a forma como retomou o significado de sua vida nas relações com seus pacientes e na narrativa de seus casos. Conclui poeticamente seu artigo voltando às origens, aos dias de descanso do Sabbath e a sensação de dever cumprido que tem em relação ao seu caminho.
Finaliza despedindo-se de uma vida realizada e vivida em sua plenitude.
Coloco-me a refletir sobre esse sentimento, esse lugar ocupado: do dever cumprido, da felicidade. Dias depois li um artigo que comentava sobre a autorregulação emocional e a busca pela felicidade.
Em pessoas com valores individuais, a autorregularão era sentida como um sacrifício, uma tarefa a ser cumprida de forma árdua e buscar a felicidade e a harmonia com outras pessoas poderia ter o efeito contrário daquele procurado, podendo trazer infelicidade, depressão, crises de ansiedade.
Em pessoas com valores interpessoais, no entanto, a autorregulação era uma maneira de ser. Havia sentido e era gratificante estar com outros, doar-se aos outros, e buscava-se a felicidade nessas relações interpessoais. Além disso, com maior frequência, eram relatados momentos de felicidade.
Para a psicologia, o engajamento é fundamental para o que descrevemos como felicidade. Este engajamento também é conhecido pelo nome de flow feeling.
São momentos em que estamos cem por cento concentrados no que fazemos, completamente absorvidos pela situação, e aquilo que fazemos nos tira das horas do mundo.
Alguns autores inclusive defendem que uma pessoa feliz é aquela que consegue produzir o maior número possível de momentos de engajamento em sua vida.
Olhemos novamente para a narrativa de Oliver Sacks. São os momentos de Sabbath, em que, por tradição, ele era “forçado” a se desconectar do mundo e se relacionar com outros, e os momentos em que se aprofundava na relação com seus pacientes para escrever suas narrativas que foram a “cola” para o sentido de sua vida.
Foi o ato de se atirar nas relações e ter a consciência de fazer parte de algo maior que construiu sua existência e o aprofundou em si mesmo.
Talvez seja necessário, antes de cobrar a vida por felicidade e buscá-la a esmo por ai, uma parada, um piso no freio para refletir, um passo atrás para nos perguntar:
Quais as individualidades que nos prendem?
Estaríamos dispostos a abrir mão delas?
Nossos pensamentos diários contemplam o coletivismo?
Conseguimos nos colocar no lugar do outro?
Conseguimos parar durante um tempo do nosso dia, cinco minutos que seja, para refletir sobre nossa vida?
Conseguimos reconhecer nossos próprios sentimentos?
Clique aqui para ler o artigo “Minha Vida”, de Oliver Sacks, publicado originalmente no jornal The New York Times em 15/02/2015 e traduzido para o Português por Eduardo Pinheiro para o site papodehomem.com.br.
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