O esporte como recorte da vida
Fernando Pessoa dizia: “A realidade/ Sempre é mais ou menos/ Do que nós queremos”.
Assim, singelo, toca na ferida aberta em todos nós: a frustração. Porque dentro ou fora do esporte, a vida por vezes nos tira o chão.
Ao contrário do que todos pensam, no esporte se vivem muito mais frustrações do que glórias, e talvez por isso nossa catarse seja ver o espetáculo da vitória em TVs e revistas, talvez por isso idealizamos como heróis aqueles que conquistam medalhas.
Muitas vezes nossa intolerância à frustração é tamanha que não conseguimos lidar com a derrota de alguém que admiramos e então julgamos, transformando aqueles que eram heróis em escória.
Senhores de tanta sabedoria, ignoramos nossas próprias frustrações, deixando que elas se acumulem para que, no esporte, haja a redenção de uma vida batalhada na unha.
Não bastando as pressões do trabalho, da família, do terrorismo nutricional, de ter que dar conta do dia-a-dia, hoje ainda temos a pressão de ser felizes. Pois ser feliz virou tarefa, obrigação da lista de afazeres. Ali, logo abaixo da reunião de feedback com seu chefe.
O esporte, como um recorte dessa vida, uma representação mais concreta do que vivemos, não escapa a todas as exigências. Surge o fenômeno do esporte amador levado com a seriedade de esporte profissional. Casos de doping, por exemplo, para melhora de performance em provas amadoras, têm sido fenômeno frequente.
Talvez faça uma generalização injusta, mas há a possibilidade de se pensar que levamos para o esporte a necessidade de ser melhor, espelhamos a cultura individualista ocidental de felicidade associada à conquista individual, é feliz aquele que tem mais poder.
Surge a necessidade de ser melhor que outros, e muitos de nossos objetivos são traçados assim, tem que ganhar do fulano, do sicrano, ficar em colocação “x” ou “y”.
Grande erro e primeiro passo para frustração. Quando nossa performance depende de outra pessoa ir pior do que nós, perdemos “o caminho”, colocamos a referência em algo externo a nós.
Teoricamente o esporte amador (ou prática de tempo livre, como chamamos formalmente), deveria ser um momento de lazer, autoconhecimento e atividade social.
Quando sua referência é externa, no resultado que se tem que obter em uma prova, a função prioritária da prática esportiva se perde. O esporte pode se tornar fonte de stress, ansiedade e inimizades.
Outra possibilidade é que levamos para o esporte nossas frustrações da vida, e ali jaz a necessidade de fazer diferente do que acontece no cotidiano. O esporte é uma fuga, os treinos são momentos de se esconder e, quanto maior a exaustão, melhores as desculpas para não encarar os problemas das outras áreas de nossa vida.
Nesse caso, a frustração já está instalada e qualquer “resultado” não perfeito é sentido como total fracasso.
Claro, há quem viva as intensidades do esporte de maneira extremamente saudável, com suas alegrias e tristezas também. Afinal, se preparar meses para um prova, colocar metas e objetivos claros e possíveis e não alcançá-los, é decepcionante. E essa dor deve ser vivenciada em sua extensão, nem maior e nem menor do que realmente é.
Em um mundo de pílulas da felicidade, ficar triste é um sinal de sanidade mental.
A frustração não pode ser evitada, mas podemos refletir a respeito dela e achar algumas saídas. O grande poeta já nos dá uma dica de como vivenciar o esporte e lidar com estas duas faces da mesma moeda: expectativas e frustrações. “Segue o teu destino,/ Rega as tuas plantas,/ Ama as tuas rosas./ O resto é a sombra/ De árvores alheias.”
Continuando com algumas dicas:
- Trace metas realistas e baseadas em seus treinos, não o quanto acha que deveria ser bom.
- Lembre-se de que cada dia é diferente dos outros. Parece óbvio, mas sempre nos cobramos quando não conseguimos correr tão bem quanto no dia anterior, ou nadar mais rápido do que estávamos nadando há três dias. Não somos robôs e sentimos cansaço, e nem sempre é preguiça. Encare seu lado humano e aprenda a diferenciar os dois.
- O esporte, mesmo nas práticas individuais, é social. O momento de prazer e convivência com as pessoas, essa relação diferenciada que só se encontra no meio esportivo, é que faz valer a pena. Se seu foco está apenas em ganhar, reveja seus valores.
- Trace metas de performance, não de resultado. O resultado depende de outras pessoas, é a colocação, ganhar ou perder. A performance depende apenas de você, é fazer o seu melhor, colocar metas de tempo, ou fazer transições mais rápidas, por exemplo.
- Novamente, somos humanos, nossa capacidade de performance varia ao longo do dia e também em dias diferentes. Fique atento ao seu corpo e ao seu estado emocional.
- Supere-se a cada dia, lembrando-se de que a superação de cada dia será diferente dos outros.
- Pesquisas mostram que talvez o fator que mais conta para sermos felizes é o engajamento social. Curta seu grupo, aproveite os intervalos de treino, as refeições pós-treino e outras ocasiões. Mas lembre-se de que engajamento é estar cem por cento envolvido no que faz. Não adianta ir almoçar com o pessoal pensando na reunião de trabalho.
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