A lenda de Naiá e a busca pela compreensão de quem somos
Conta-se que Jaci, a lua, ao despontar da noite beijava e enchia de luz os rostos das mais belas virgens da aldeia.
Sempre que se escondia atrás das montanhas, levava para si as moças de sua preferência e as transformava em estrelas no firmamento.
Uma linda jovem, Naiá, vivia a sonhar este encontro. Os anciãos da tribo alertavam Naiá de que as moças que encontravam Jaci perdiam sua carne e seu sangue.
Entretanto, Naiá queria ser levada pela lua. À noite perambulava pelas montanhas atrás de Jaci, mas nunca a alcançava.
Era assim todas as noites, mas a jovem não desistia. Ela sonhava com o encontro, não comia e nem bebia.
Um dia parou para descansar à beira de um lago, viu na superfície da água a imagem de sua amada. Cega por seu sonho, lançou-se na água e se afogou.
A lua, compadecida, quis recompensar o sacrifício da bela jovem e a transformou em uma estrela diferente de todas as outras que brilhavam no céu: uma “estrela-das-águas”, única e perfeita.
Assim, nasceu uma linda planta nas águas, com flores perfumadas e brancas, a Vitória-Régia.
A história de Naiá representa uma jornada de vida, conhecida por monomito.
A estrutura descoberta por Joseph Campbell é inspiradora de filmes, histórias literárias, muitos modelos psicológicos e metodologias de trabalho.
Campbell estruturou sua teoria embasada em conceitos jungianos de arquétipos, que são forças inconscientes da concepção freudiana e da estruturação de ritos de passagem de Arnold Van Gennep.
Seu híbrido é baseado em abordagens estruturalistas que procuram explorar as inter-relações nas quais significados são produzidos dentro de uma cultura e reproduzidos por meio de várias práticas, fenômenos e atividades que servem como sistemas de significação para o estruturalismo. Significante, e significados não são separados.
Este pensamento aplicado à compreensão de mundo procura chegar ao modus operandi do ser humano, ou seja, pretende encontrar elementos universais e irredutíveis que perpassam o tempo e o modo de pensar de todos os seres humanos.
Depois da década de 1960, Derrida, Deleuze e outros pensadores desconstruíram diversos conceitos estruturalistas.
Começaram a considerar a realidade como uma construção social e subjetiva, e assim abre-se a possibilidade para a diversidade de metodologias.
Os pós-estruturalistas consideram que significante e significado são separáveis, apontando para a pluralidade de sentidos.
Faz-se importante lembrar que pós-estruturalismo é apenas um conceito para designar diferentes reações ao estruturalismo.
Podemos encontrar características comuns a esses pensadores. Talvez a mais marcante delas seja a oposição ao cogito cartesiano, que privilegia o homem e o pensamento à existência.
Esses pensadores percebem formas simbólicas, linguagem e existência como constituintes da subjetividade.
Trata-se de uma posição antidogmática e antipositivista. Rejeitam-se verdades absolutas sobre o mundo, pois os contextos desempenham grande parte na definição das realidades.
Entre construções e desconstruções, essências e contextos, há intrinsecamente o desejo de uma compreensão de como somos nós.
Naiá tem em si algo que todos temos: uma interconexão.
Há algo em nós que nos une ao mundo, levando em consideração mundo em seu significado fenomenológico, abarcando todos os entes, pessoas, animais, objetos, etc.
Deste modo, podemos considerar que o monomito de Campbell pode ser visto como um guia, e não necessariamente uma estrutura fechada, em que nada pode ser alterado.
Ao contrário, talvez o mito do herói possa ser usado, assim como a análise de contextos, significados, sentidos e existência, para melhorar a compreensão de nosso modo de ser.
Compreendendo-nos melhor, sem radicalismos estruturais ou pós-estruturais, podemos nos apropriar e corporificar, nos reconhecendo.
Assim, conhecendo e gerenciando nossos modos de ser no mundo, conhecendo nossas próprias diversidades e abertos às possibilidades de mudança em nós mesmos, nos flexibilizamos para lidar com o mundo.
E para nos desequilibrarmos no mundo do outro, na tentativa de compreendê-lo, nos abrimos para aceitar o diferente e conviver com a diversidade sem que ela nos ameace.
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