Extremistas e a esterilidade emocional
As afrontas à humanidade são tantas diante de nossos olhos que fica difícil começar a falar de alguma delas.
Atentado terrorista em Paris, rompimento da barragem em Mariana (MG), o projeto de lei de Eduardo Cunha sobre aborto, as questões geradas pela prova do Enem, a possibilidade do Brasil realmente liberar as sementes Terminator, imigrantes perdidos pelo mundo fugindo de mais uma guerra estúpida iniciada por grupos extremistas.
Como Hamlet de Shakespeare poderíamos dizer que “há algo podre no reino da Dinamarca”.
O alerta mais do que vermelho pisca, a sirene grita, mas nos anestesiamos. Como soldados que voltam das guerras, não conseguimos nos distanciar da experiência de encarar o vazio da morte, esquecemos acontecimentos antes vividos e reagimos em sobrevivência.
Ataques de ansiedade, paranoia, pânico e violência são algumas das reações automáticas diante de acontecimentos que ameaçam nossa existência. Entretanto, o que teoricamente nos faria humanos: a reflexão e a possibilidade de não reagir simplesmente, mas encontrar outras soluções para os problemas, não acontece.
Ainda cito Shakespeare: “É uma infelicidade da época, que os doidos guiem os cegos”. Podemos pensar que a nossa é uma época de infelicidade e que os extremistas guiam os cegos.
Todos os acontecimentos citados como ameaçadores a nossa humanidade desvelam nossa impotência e a fragilidade diante de extremismos burros.
Eliane Brum, em artigo recente para o El País, cita a filósofa Marcia Tiburi e argumenta sobre a burrice que assola nosso país.
Segundo a autora, as distorções de pensamentos servem à reprodutibilidade da burrice e ao vazio do pensamento e da linguagem, principal ferramenta de conciliação e reflexão humana e que tem sido usada para distribuição de violência.
Assim foi na Guerra Fria, e assim também começaram tantas outras guerras. As guerras concretas começam com pensamentos extremistas.
Paralisados frente ao susto, amarrados pela burrice e ignorância de pensamentos extremistas radicais, temos colapsado e falhado naquilo que nos faz humanos: nossa capacidade de refletir, de pensar e dialogar para solucionar problemas.
Ações extremistas têm evocado respostas extremistas que evocam, novamente, mais ações extremistas, entrando em um ciclo de burrice sem fim, de pensamentos estreitos e concretos.
Desde congressistas radicais como Marcos Feliciano que dizem que a frase de Beauvoir foi “uma escolha adrede, ardilosa e discrepante do que se tem decidido sobre o que se deve ensinar aos nossos jovens”, passando pelo presidente da Hungria que mandou construir um muro para fechar as fronteiras de seu país, até os extremistas radicais do estado islâmico, vemos histórias já vivenciadas pela humanidade sendo repetidas.
Histórias de medo, de disseminação. Primeira Guerra Mundial, Segunda Guerra Mundial, Guerra Fria, Guerra do Vietnã, Palestina e Israel, perseguições perpetradas por governos absolutistas como a China, a Ditadura Militar, podemos voltar ainda mais em guerras do Império Romano, Pérsia, e esquecemos.
Em suas ganâncias por poder e domínio, os representantes da humanidade, políticos e líderes de empresas, religiões, etc. se tornaram emocionalmente estéreis.
Incapazes de enxergar aqueles em campo de batalha como humanos, incapazes de enxergar que somos parte de um todo, esterilizados e surdos, os gritos de sustentabilidade, de paz, de direitos humanos, de equidade racial, social e de gênero não tocam aqueles que deveriam nos representar.
Arrastam em sua ignorância aqueles que estão no mundo com uma herança sem testamento, segundo Hannah Arendt:
“O testamento, dizendo ao herdeiro o que será seu de direito, lega posses do passado para um futuro. Sem testamento ou, resolvendo a metáfora, sem tradição – que selecione e nomeie, que transmita e preserve, que indique onde se encontram os tesouros e qual o seu valor – parece não haver nenhuma continuidade consciente no tempo e, portanto, humanamente falando, nem passado nem futuro…”
Sem passado e sem futuro, em um vazio de ignorância, as pessoas colam-se em falas prontas, de rótulos feitos e disseminações de pensamentos infundados. Também vivem uma esterilidade emocional.
Assim, continuamos construindo barragens, mesmo sabendo que formas alternativas de energia são mais sustentáveis e viáveis, continuamos jogando lixo na rua, pois só um papel não vai fazer diferença.
Continuamos desmatando, porque é preciso espaço para pastos, continuamos matando, porque não toleramos o diferente, não toleramos outra opinião ou outra visão de mundo.
E quando será que vamos escrever um testamento? Quando será que vamos aprender? Quando vamos olhar para história para não repetir o mesmo? Quando vamos começar de fato a pensar?
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