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a jornada do herói

Monomito, a jornada do herói

A vida é muito frágil e passa muito rápido. Não são muitas as vezes em que pensamos nisso com tanta clareza, mas isso perpassa nosso dia-a-dia, nossas ações. Estamos sujeitos às intempéries do mundo.

E porque a vida tem a qualidade da finitude deveríamos, todos os dias, vivê-la com significado. Não deixá-la passar em branco é viver engajado, apropriado de sua existência.

Os significados de vida são individuais, cada um deve encontrar o seu, mas sobre os caminhos para o engajamento, muito temos a discutir. Muitos autores e estudiosos em psicologia e filosofia falaram sobre o assunto.

Neste artigo vamos focar na jornada do herói como um desses caminhos. O autor que primeiro se interessou e estudou profundamente o assunto foi Joseph Campbell.

Em “O herói de mil faces”, Campbell descreve a narrativa do herói em fases. Primeiro o herói deixa sua morada, o mundo comum, a cotidianidade que habita.

Ele vai para um lugar sobrenatural onde encontra forças essenciais e vence uma batalha decisiva. Então, ele volta de sua aventura misteriosa com poderes para conceder bênçãos e ensinamentos à sua comunidade.

A vida de qualquer um de nós pode seguir a jornada do herói. Os monomitos são metáforas para o encontro do sentido de vida, um dos caminhos para a realização da vida.

Portanto, a partir de agora, pense em sua vida como uma história. Abstraia da concretude e pense em como os passos do caminho dos heróis podem auxiliá-lo a construir momentos de completo engajamento em sua vida.

Segundo ele a jornada do herói é constituída de dezessete estágios divididos em três áreas maiores: a partida, a iniciação e o retorno.

Nem todas as histórias passam pelos dezessete estágios de forma explícita. Os estágios também se organizam de maneiras diferentes em cada história. Abaixo segue um breve resumo dos estágios em cada área:

A partida:

  • O chamado para aventura: o herói começa em uma situação cotidiana na qual alguma informação que o chama para o desconhecido. Ele pode ir por vontade própria ou ser enviado, como Odisseu carregado pelos ventos por causa da ira de Poseidon.
  • A recusa: frequentemente o herói nega se entregar a aventura por inúmeras razões: um senso de dever ou obrigação com algo, medo, insegurança, sentimento de inadequação ou qualquer outra razão que nos prenda. A recusa transforma a aventura em negatividade. Preso em tédio, trabalho duro ou cultura, o herói perde o poder de ações significativas e positivas, se tornando vítima. A vida fica sem sentido, seca. Não importa o quanto faça ou o que construa, será vazio, e ele caminha lentamente para a desintegração.
  • Ajuda sobrenatural: Para aqueles que não recusaram a aventura, o destino lhes concede uma proteção. Consciente ou inconscientemente, quando o herói se compromete com o chamado, seu “guia” aparece, faz-se conhecido. Esse guia o presenteará com um ou mais talismãs, ou patuás, que o ajudarão em seu caminho. O herói deve apenas confiar e encontrará as forças inconscientes a seu favor.
  • Cruzando o limiar: este é o ponto em que o herói realmente entra na aventura, cruzando os limites conhecidos de seu mundo. Para além de seus limites estão a escuridão, o desconhecido e o perigo. A aventura é, em qualquer lugar e sempre, uma passagem. Os poderes que se encontram no limite dos mundos são perigosos e lidar com eles é arriscado e exige coragem.
  • A barriga da baleia: a barriga da baleia representa a separação do mundo conhecido e do herói de verdade. Entrando neste estágio o herói está disposto a passar por uma metamorfose. O limiar mágico é uma transição para o renascimento, simbolizado pelo útero da barriga da baleia. O herói é engolido pelo desconhecido, é uma forma de morte. O herói se recolhe para dentro, para depois renascer. Ele deve se recordar do que e de quem é.

A iniciação:

  • O caminho das provações: uma vez atravessado o limiar, o herói entra em um reino de formas fluídas e ambíguas, e deve então sobreviver a uma série de testes para começar sua transformação. Por vezes o herói falha em um ou mais destes testes.
  • O encontro com a deusa/deus: este é o momento em que o herói experiencia um amor que tem o poder e a significância do amor incondicional. É o encontro da completude com um outro, aquilo que chamamos cara-metade.
  • A tentação: o herói encontra-se diante de tentações, geralmente de natureza física ou material, que podem fazer com que ele abandone ou se afaste de sua aventura.
  • A expiação diante do sagrado: neste ponto o herói precisa confrontar e ser iniciado por aquilo que contém o poder maior em sua vida, o poder da vida e da morte. Em muitos mitos essa figura é representada pelo pai. Esse é o ponto central da jornada. Todos os outros estágios foram a preparação para este momento e tudo o que seguirá no futuro partirá daqui. O herói transcende os pontos cegos da vida por um momento para entender como as tragédias do vasto e cruel cosmos são validadas na magnanimidade do Ser, para então compreender o todo.
  • Apoteose: o herói vai além da compreensão do par de opostos para a compreensão do todo, do amor, da compaixão e da completa realização. É o período de descanso, paz e satisfação antes do retorno.
  • A última benção: é a realização da meta da aventura, é o que ao herói foi buscar ao se lançar na aventura. Todos os estágios anteriores servem para preparar e purificar o herói para este momento.

O retorno:

  • A recusa ao retorno: Encontrada a realização e a iluminação do outro mundo, para completar o monomito o herói deve retornar e levar a sabedoria conquistada em sua aventura para aqueles que ficaram no mundo comum para renovação. Entretanto, o herói pode não querer voltar ao mundo para dividir suas bênçãos com sua comunidade.
  • O voo mágico: por vezes, se a chamada benção é guardada cuidadosamente pelos deuses, o herói deve fugir com ela. Retornar da jornada pode ser uma aventura tão grande e perigosa quanto nela ingressar.
  • Resgate: com frequência, assim como o herói precisa de assistência para ingressar em sua aventura, ele necessitará de ajuda externa de seu guardião para retornar ao mundo comum, especialmente se está enfraquecido pela jornada. As pessoas do mundo comum talvez tenham que resgatá-lo.
  • Cruzando o limiar do retorno: o difícil do retorno é manter o conhecimento conquistado na aventura, integrar essa sabedoria à vida mundana e talvez compreender como compartilhar essa sabedoria com outras pessoas. Ele deve sobreviver ao impacto do mundo e aceitá-lo como realidade.
  • Mestre de dois mundos: este estágio é a realização do equilíbrio entre o mundo material e o “espiritual”. O herói sente-se confortável e competente em seu mundo interno e externo, tem a liberdade de ir e vir entre os dois mundos. Suas ambições pessoais envolvem o coletivo, consegue relaxar e lidar com as intempéries e imprevistos que a vida lhe traz.
  • Liberdade para viver: a maestria nos leva à liberdade. É o que conhecemos como viver no momento, Carpe Diem, sem antecipar o futuro ou se arrepender do passado. Ele aprende com o passado e vive o presente.

Os dezessete estágios do mito do herói são generalistas, mas já nos dão uma ideia de caminho.

Abstraindo a ideia do herói para nossas vidas cotidianas, vale a pena nos perguntarmos: como vivemos o ciclo do monomito em nossas vidas?

Estamos vivendo nossas aventuras? Ou ficamos parados no segundo estágio? Estamos preparados para a dor do desconhecido e o medo da escuridão de nós mesmos? Estamos preparados para enfrentar nossos próprios dragões?

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  • A lenda de Naiá, uma jornada de vida - PDH PSICOLOGIA

    […] A história de Naiá representa uma jornada de vida, conhecida por monomito. […]

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